Considerações sobre os grupos de WhatsApp BDSM
- Madê Walton
- 22 de mai. de 2016
- 6 min de leitura
Eu, até esta manhã, fui uma frequentadora de grupos de WhatsApp. A razão? Interação divertida, a chance de conhecer gente do país inteiro, diferentes perfis de praticantes, diferentes personalidades. Tudo o que uma pessoa viciada em pessoas poderia desejar. Em tese, seria um espaço imediato de solução de problemas e interação total, já que uma das grandes questões do BDSM é o anonimato e a dificuldade de se conhecer gente, mesmo em ferramentas como o Fetlife. bem, boas intenções e tudo o mais. O que se vê por aí é nada menos que o show de horror e é disso que vamos falar aqui: o que deu errado na excelente iniciativa dos grupos via telefone.
A solidão dos tempos modernos, das vidas corridas e mediadas pelo telefone poderia (e deveria) ter trazido interação rica. É evidente que o que aconteceu foi uma profusão de pessoas estranhas, ignorantes, em sua maioria, dos preceitos básicos do BDSM e de regras sociais em geral. Muitas dessas pessoas sequer compreendem o significado do acrônimo. E, antes que você atire a primeira pedra, eu não sou uma pessoa que rechaça novos indivíduos. Eu insisto MUITO para que eles encontrem seu caminho e achem um momento para estudar, para levar a coisa a sério, para não se expor em riscos desnecessários. Mesmo que nada.
Minha proposta, aqui, é criar perfis que podem ser identificados em 10 minutos de chat. Essas pessoas podem ser agrupadas em categorias bastante nítidas e reconhecíveis em qualquer grupo que você, leitor, frequente. Vou escrever usando o masculino por convenção, mas não se iluda – vale para todos os sexos. Espie só:

MACARRÃO INSTANTÂNEO: essas são pessoas cujo BDSM é veloz, quase em questão de segundos. Eles aprendem shibari em vídeos do YouTube em 2’45”. Muito experiente, tem chavões como “tal prática meche (sic) comigo”. E não participa de debates, mas sai pela tangente repetindo orações lidas em algum site explicativo de BDSM mescladas com sua falta total de senso, como “não faço velas porque não considero seguro de acordo com o SSC e a liturgia”. Quer dizer, eu também não entendi.
ETERNO ESTUDANTE: esse só observa. E, quando questionado sobre sua participação, ele responde: “Prefiro ficar só observando. Aprendo muito com vocês”. Desculpem-me os reis da moita, mas... o que, exatamente, vocês aprendem? Vocês não têm dúvidas e, se as têm, não as esclarecem. Vocês não contribuem para uma criação de conhecimento, mesmo com os lugares-comuns ou as indefectíveis merdas que se falam por aí. Vocês não mostram, em momento algum, qualquer progresso, pois... tabula rasa. Enfim, quando vocês dizem que observam porque assim aprendem, eu realmente acho uma merda.
DOM NESCAFÉ, SUB NESQUIK: aí tem os leilões. Por questões absolutamente éticas, não vou copiar aqui um trecho de um que pude ver. Ali, Dom Nescafé se põe rapidinho como Dono de uma sub Nesquik. Como isso funciona? A D/s (?) se estabelece virtualmente por 24 horas. Eu acho que não precisa de explicações auxiliares. Tudo rápido, com contato mínimo e envolvendo a menor quantidade possível de pensamento. São variações do Macarrão Instantâneo, mas em D/s de mentirinha.
“EU VIVO O MEU BDSM’: esse é um triste, coitado. Ele ovbviamente não entendeu. Sequer procurou o vídeo no YouTube. Conseguiu, por obra divina, uma sub, a pobre. E está todo empolgado porque ele e sub foram admitidos em um grupo de WhatsApp. E também preocupado, já que sub iniciante x vai entrar em contato com um pessoal que pode fazer uma coisa que ele nunca conseguiu: educá-la. Então, ele lança essa: “Ninguém sabe ao certo o que o BDSM é. É pessoal. Eu vivo o meu BDSM sem me preocupar com as briguinhas do meio”. Ora, o amigo sabe que ela vai questionar algo e já se prepara. Dali a três semanas, quando “perder” a “sub”, ele avisa ao mundo que foi vítima de boatos e que ela era uma falsa submissa.
O SEM GRANA: esse vale para ambos os lados do chicote. Ele chega, posta umas coisa e some. Aí, reaparece e avisa o grupo que está tentando dar um jeito na vida, arrumar umas coisas, que a situação tá feia. E some novamente. Mais um tempo e ele retorna, com a notícia de que vai ter que sair do grupo. Como pessoa querida, alguns participantes vão ter com ele em seu privado, perguntado o que o amigo tem; ao que o amigo responde estar sem grana. E aí vocês, muito mais marotos e escolados, já conhecem a estrada. Ela não muda, nunca.
O/A ALEGRE: essa é uma pessoa que pulula em grupos. Ela tem seus próprios espaços, mas segue de grupo em grupo retirando deles o que pode levar aos seus. Seu intuito maior é pregar uma interação livre que nós, velhos e recalcados, não desejamos. É uma variação do “Eu vivo meu BDSM”, mas de uma forma bem mais pau no cu.
ÁREA DE TRANSFERÊNCIA: esse chega com uma vivência real do BDSM, mas com sérios problemas de relacionamento, geralmente oriundos de sua falta de conhecimento. Ele transfere toda sua insatisfação para o grupo e geralmente reclama do fato de ninguém topar suas ideias.
O MESTRE: nessa categoria estão todos os Nicks absolutos – poderia também ser chamada de o Lord, por exemplo. O Mestre geralmente não sabe de que é mestre. Primeiro, se intitula Mestre Bondagista até a entrada, no grupo, de um bondagista famoso e respeitado por sua técnica (à guisa de exemplo). Aí, ele perde um pouco de seu brilho natural e passa a ser... cinéfilo. Exato. A versão feminina é taõ ou mais colorida – a Domme com nome de pênis que gosta de um sexo apimentado sendo subjugada por seu “macho”, que puxa violentamente seus cabelos.
BOZO: esse é um engraçado. Um piadista. Um comediante de mão cheia. Até seu nickname é cômico, tipos “sub sistência” ou “sub mundo”. Tem talento para o trocadilho e sua presença não seria um problema, não fosse tanta comédia sendo usada para mascarar ignorância. Então, o nosso herói (ou nossa heroína) sempre busca escapar dos debates com alguma piada ou um comentário “para aliviar a tensão do grupo”.
O REI DO PVT: esse vem para tirar dúvidas, dar bom dia, fazer comentário em off, pedir algo, dar uma cantada, o que for. Quer saber se você não pode passar pra ele o link do filme de que falou antes, se pode mandar uma foto da mãe, deixar uma mensagem positiva, vender seu peixe como Dom/sub, pedir conselhos porque não se descobriu. Abra esse espaço meia vez e terá para sempre um chato que não vai lhe dar paz. Vai querer mais informações. Talvez, um café. Resumindo, uma sessão.
Há uma outra categoria, pouco abrangente, chamada NÓS. NÓS somos aqueles que gostam de BDSM, de ver gente, de ir a lugares, de trocar ideias – desde que elas sejam maduras e tenham pé e cabeça -, de ir a eventos, de fazer sessão, de postar fotos, de fazer nudes, sem que nada disso nos desqualifique como BDSMers. NÓS gostamos de interagir, temos dúvidas, perguntamos, aprendemos, ficamos putos. NÓS não temos vergonha de não sermos grandes Mestres Shibaristas e achamos realmente importante conhecer práticas antes de por as mãos em um outro ser humano.
NÓS temos noção de nossa relevância e importância e tentamos dar o melhor como retorno à comunidade BDSM, que caga litros para isso. NÓS estamos ficando velhos, chatos e monótonos. NÓS estamos ficando cada vez mais raros e isolados, como aves exóticas. E é como ave exótica que me retiro, assim como tanta gente boa do meio, dos receptáculos digitais – não me acrescentam e sinto que eu não acrescento.
Quando eu cheguei ao BDSM, cheguei faminta de aprendizado. Cheguei com uma sede curiosa que não tinha fim. Eu ainda não me saciei, e espero jamais fazê-lo, já que um dos maiores prazeres que tenho é o da constante busca. E eis aí a questão: essa geração de tons de cinza não chegou com fome nem sede. Chegaram com uma visão plástica e de fácil digestão da coisa e é o que basta. Não vale a pena, para esse indivíduo, gastar mais tempo para algo maior e melhor. O que chega pelo telefoninho é satisfatório e é a realidade.
Mude isso. Tenha fome de conhecimento. Não aceite o mais do mesmo. Não permaneça como receptor de joguinhos e supostos praticantes que, de tão anônimos, não têm corpo. BDSM é pele, é cheiro, é suor. É sangue, na veia ou escorrendo. É medo, é riso, é alegria não plástica. É vida na vida daqueles que têm fome de vida. Pense nisso.















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